quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Assim é a vida

É assim mesmo que a vida faz, vai sorvendo a gente lentamente como se fosse areia movediça. Uma vez na terra dos viventes só nos resta viver a vida como ela é. A grande verdade é que a vida não se deixa levar por aqueles que acreditam que podem caminhar na frente dela; sendo assim o melhor a fazer é tornarmos seus parceiros. Talvez o refrão da música “Deixa a vida me levar, vida leva eu” seja para aqueles que aprenderam que remar contra a vida é experimentar a derrota antes mesmo que o juiz apite o final do jogo. Para mim, sábio é aquele que aprendeu a viver de mãos dadas com a própria vida. O sábio Salomão deixou claro que não há nada melhor para o homem que gozar a vida enquanto puder (Ecl.3:12).
É coerente dizer que, na sua essência a vida de uma pessoa é o reflexo de suas escolhas e ações, o resto são apenas adereços que podem torná-la mais agradável ou não. Entretanto, a própria vida impõe suas regras que influenciam nas nossas escolhas e ações. Há pequenos detalhes que envolvem nossa vida e que nem percebemos e até depreciamos, todavia o que seria de nós sem eles. Igualmente há coisas grandes e pequenas ao nosso redor que são fundamentais para tornar a vida possível de ser vivida, mas que também não damos o devido valor.
Na vida tudo tem sua importância, até mesmo aquilo que julgamos ruim e inútil. Outra declaração do sábio é: “Quando os dias forem bons, aproveite-os bem; mas, quando forem ruins, considere que Deus fez tanto um quanto o outro,...” (Ecl.7:14). Já me peguei usufruindo coisas que a vida me ofertou que não dava nenhum valor, e para ser bem franco até faria qualquer sacrifício para me livrar delas. Fato recente aconteceu quando estava cofiando minha barba a comecei a relaxar e descansar ao mesmo tempo. Detesto ficar com barba e muito menos tirar barba. Tenho razões fortes para tal aversão. Os cabelos da minha barba são bem grossos e à medida que crescem alguns vão penetrando na minha pele e me furando, isso faz com que eu coce a barba continuamente e acabo me ferindo. Por outro lado, todas às vezes que a lâmina do aparelho de barbear desliza sobre minha pele, ela irrita que chega até a ferir. Fico tão incomodado com isso que às vezes chego a murmurar. Fiquei pensativo ao admitir que a mesma barba que me irritou também pôde me dá prazer. Isso soa como vindo de alguém que é simplório, no entanto são as coisas simples do cotidiano que mais revelam a força da vida. Assim é a vida, tudo tem sua utilidade; e é por isso que podemos tirar proveito até das coisas que nos desagradam.
O veneno da cobra pode matar um homem, mas também pode servir de antídoto para livrá-lo de uma doença mortal. A morte de uma corsa pode ser uma injustiça aos nossos olhos, mas é questão de sobrevivência para o leão. Até a folha de uma árvore quando cai na floresta tem sua utilidade.
Lutamos por acrescentar tantas coisas à nossa vida que acabamos deixando de usufruir a vida como ela é: Só vida. Não se trata de deixar de fazer o que tem de ser feito, ou até mesmo matar o desejo de realizações. Não! É entender que o sentido da vida não está no que fazemos, mas no quanto vivemos à medida que estamos fazendo. É preciso deixar de nos preocupar tanto em arrumar nossa vida e decidirmos viver a vida como ela é para entendermos o que Millôr Fernandes quer dizer com “Viver é desenhar sem borracha”.
Desde o dia em que resolvi abraçar as palavras da Vida, fiz as pazes com a vida e aprendi a viver um dia de cada vez. Se assim é a vida, então assim vou vivendo.

domingo, 17 de outubro de 2010

A unidade do povo de Deus

Falar sobre unidade do povo de Deus apenas com base nos relatos históricos do povo de Israel, registrados nas Escrituras Sagradas, pode soar de forma contraditória àquilo que foi escrito pelos autores do Novo Testamento. O Velho Testamento transmite exclusividade, ou seja, povo escolhido e privilegiado pelo Criador (I Sm.12:22); já o Novo Testamento transmite inclusão, ou seja, povo que acolhe; que se espalha com o fim de ajuntar e de integrar outros a si mesmo. Todavia, se ignorarmos esta falsa contradição, pode-se perceber que o propósito de Deus sobre a unidade do seu povo, permanece o mesmo: Ser a extensão do próprio Deus na terra.
A unidade que apenas enaltece o pensamento comum no meio evangélico, de que seremos um povo dominante e poderoso na terra, fere o princípio básico de verdadeira unidade: União que gera acolhimento do solitário e inclusão do diferente. A unidade que anula a interdependência, que fomenta o desejo de poder ilimitado, que fortalece a liturgia do exclusivismo, que acalenta a alma da indiferença e que neutraliza a força da aproximação, é qualquer coisa menos unidade.
Foi o próprio Deus, logo no início da vida humana na terra, quem primeiro percebeu este desvio gerado na mente dos homens, em relação à força de uma unidade verdadeira. Por isso, agiu de forma drástica, com o fim de neutralizar o uso indevido da mesma. Em Babel, Deus tomou a decisão de diversificar a linguagem, com o intuito de espalhar o povo e restringir o intento de fazerem o que bem quisessem. Esta decisão mostra que a unidade de um povo não está circunscrita aos limites do espaço geográfico, que extrapola a uniformidade da comunicação verbal e destrói a barreira de inimizade que há com outros povos. Mostra também que a unidade de um povo não se fundamenta sob a sombra de um nome ou de uma denominação, e nem tão pouco sob os holofotes da suntuosidade de um monumento.
Unidade sem abertura para alcançar novas pessoas e ocupar novos espaços, não é unidade. Unidade que coloca só os iguais dentro, mas fecha a porta para entrada dos diferentes, não é unidade. Unidade que o comum é comum só para quem fala a mesma língua, também não é unidade. A marca da verdadeira unidade de um povo é refletida principalmente pela inclusão e acolhimento dos que estão do lado de fora, e não apenas pela perpetuação dos que já estão dentro. A unidade sadia é aquela em que se abre a possibilidade para os diferentes também se tornarem semelhantes.
Unidade do povo de Deus não significa ter a mesma aparência, o mesmo sotaque, a mesma língua ou estar no mesmo lugar. Antes de qualquer coisa, é refletir a mesma imagem que Jesus refletiu; a imagem do Pai: “Quem vê a mim vê o Pai, porque Eu e o Pai somos um”. Isso significa dizer que a nossa unidade não começa pelo que está fora da gente, nem mesmo pelo que fazemos ou temos, mas primeiramente pelo que somos. E o que somos em Jesus é o que nos faz parecidos com o Pai, e conseqüentemente parecidos uns com os outros a ponto de sermos chamados filhos de Deus.
Busquemos a verdadeira unidade. Aquela que faz o mundo vê em nós a imagem Daquele que tem o poder de reconciliar os homens com Deus em um só corpo, matando assim a inimizade. Lembremos que a verdadeira unidade tem seu exemplo maior na união entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Vamos passear

Passear parece ser coisa de criança. Se assim for, então Deus é uma criança. Depois do processo de criar vem o passear, e foi isso que Deus fez. Ele passeava no lugar mais belo da terra, no jardim que Ele mesmo plantou. Já não se passeia mais como antigamente. Já não se passeia só pelo prazer de passear ou de estar junto de quem se ama. Hoje passear é sinônimo de perda de tempo, de irresponsabilidade e até de ser preguiçoso. Por isso, pais já não passeiam mais com os filhos, cônjuges já não andam de mãos dadas na praça e namorados já não sonham juntos contemplando o pôr do sol no oceano. Amo o mar, por isso uma das coisas que mais gosto de fazer na vida é ir à praia com minha amada, e ficarmos passeando só pelo prazer de estarmos juntos no entardecer do dia. Sempre que fazemos isso, nosso amor nos transforma em crianças e a lua fica mais bonita.
Tem palavras que fazem parte de uma geração. Outras ficam em desuso. E há aquelas em que as definições não mudam, mas a forma de praticá-las sim. “Passear” atualmente é uma palavra ultrapassada, porque só se sai de casa por algum motivo que não seja simplesmente passear. Não se passeia mais olhando com os olhos da alma; se anda no Shopping com os olhos do desejo comum: A satisfação pessoal. Quando passeamos com os olhos da alma, somos livres para viver e deixar o tempo passar sem mesmo percebermos.
Na minha época de menino passeávamos na praça enfrente da minha casa. A praça não tinha nada de atrativo a não ser as árvores. O que tinha de novidade, quando passeávamos, era simplesmente o prazer de passear de novo e a certeza que minha mãe nos observa da janela. Depois que crescemos, passamos a passear longe de casa, e então minha mãe deixou de nos observar e passou a nos esperar sem sair da janela. Quando me tornei adulto e minha alma se tornou criança, é que entendi. Da janela lá de casa, olhando a paisagem, mamãe também passeava. Passear é um estado da alma; é usufruir o prazer de somente viver, ou seja, é viver sem se preocupar como viver; é não fazer nada e ao mesmo tempo fazer tudo que nos torna livres para somente existir. Passear é vê sem desejar, sem querer ter ou fazer. É gozar da sintonia da alma com a vida. Passear é deixar a alma contemplar a beleza ao nosso redor. E a beleza é aquilo que o Rubem Alves diz: “A beleza é a sombra de Deus no mundo”.
Quando me casei, mantive o costume de passear de mãos dadas com minha esposa. Toda vez que passeamos, sinto nossas almas namorando a liberdade. Nos sentimos livres por dentro e por fora. Nossos passeios se transformam em sublimes momentos de ficarmos juntos sem fazer nada a não ser usufruir da companhia um do outro. Foi passeando que descobrimos que o amor não precisa de motivos para sorrir, porque quando sorrimos um com o outro é porque nossos corações sorriram primeiro. Nesses momentos conseguimos vê o belo através dos olhos um do outro.
Penso que Deus se tornou poeta passeando no jardim do Éden, e que o maior prazer Dele não era passear só, mas na companhia da criatura que Ele fez. Na verdade quem aprende a passear nunca passeia sozinho, porque na ausência do outro, acaba passeando consigo mesmo. No entanto, o melhor passeio é quando passeamos juntos, é quando tem mãos que se unem; olhos que se encontram; corpos que se aquecem e almas que se completam. Não tenho dúvida que o primeiro convite de Deus para o homem é para um passeio de mãos dadas no jardim da felicidade. Infelizmente muitos rejeitam este convite e acabam se escondendo sob as folhas da solidão eterna.
Um dia aceitei o convite de Deus. E a partir daí nunca mais soltei a mão Dele. E foi de mãos dadas que Ele me ensinou a passear. Por isso, o convite está feito: Vamos passear!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Seduzido pela paisagem

É tarde de domingo! Passa o dia, passa o tempo, passa a vida.
O silêncio permeia o bairro e sinto falta do ronco dos motores na avenida.
Alguns dormem, outros descansam e há os que nada fazem. Minha alma remexe por dentro e me faz mergulhar na beleza da paisagem.

Firmo a vista e consigo ver os meninos num campinho correndo atrás da bola. Minha memória é aguçada e me vejo fazendo o mesmo como nos tempos de outrora. Na linha de alta tensão um pássaro quebra o silêncio cantando “bem-te-vi”. Nos ares o falcão rastreia a área à procura de alimento para si.

Na grande área verde um ipê amarelo se destaca com suas folhagens de ouro. No toldo de uma quitanda um ancião descansa sob as abas do seu chapéu de couro. Na beira da estrada um jumento velho caminha a procura de capim. Protegidos pela sombra do prédio, dois jovens conversam olhando para mim.

Contemplo as casas e os prédios com um olhar diferente. Mergulho na imaginação das histórias e da vida dessa gente. As janelas, os terraços e as sacadas me aproximam dos moradores. As cores das fachadas retratam suas preferências e as cercas nos muros seus dissabores.

Vejo a transformação do bairro acontecendo. Uma mistura do antigo com o novo vai se estabelecendo. Novos prédios são levantados, novas casas são construídas. E a geração shopping já se mostra com suas estruturas sendo erguidas.

A paisagem não só me seduziu, mas me incluiu como parte dela. Sou parte da minha visão, porque minhas percepções é que deram vida a ela. Da janela do meu apartamento me vejo dentro do quadro que cerca o mundo ao meu redor. Seduzido pela paisagem, sinto e vivo a presença real do Criador em derredor.

domingo, 25 de julho de 2010

Caçadores de consciências

Admito. Hoje, vivo com muita vontade de dar mais espaço para minha consciência. Estou à procura do meu chão, aquele que posso tirar as sandálias e andar descalço. Aqui reside o meu mais profundo anseio e a minha mais profunda angústia: Admitir onde devo realmente estar; pelo fato de já não me vê onde estou. Anseio viver no meu verdadeiro habitat, aquele onde eu posso ser visto pelo anverso e reverso, por dentro e por fora. Sinto necessidade de deixar minha consciência relaxar na cadeira de descanso do meu ser. Sinto-me perdido em uma floresta que ajudei a construir, mas que já não consigo viver nela. Sei onde fica a saída, mas persisto em permanecer debaixo das folhagens do engano, que impedem a minha consciência voar. Vivo como um caçador cansado, que perdeu de vista a caça e passou a caçar a si mesmo. Sei que sou a caça que procuro. Na ânsia de me encontrar, já não me importo com o que sou nem com o que não sou, e muito menos com o que deveria ser, visto que encontrei Aquele que verdadeiramente É, e que me fez entender que só basta ser o que se nasceu pra ser: Gente que reflete a imagem e semelhança Dele. É tão simples! A gente é que complica.
A partir daí, tudo ficou simples e com real sentido para mim. Já não há motivo de correria, desespero e angústia para ser o que não é pra ser, ou ter o que não é pra ter. Tudo é e vem Dele, e só tem sentido Nele e com Ele.
Este entendimento mudou meu eu, lavou minha consciência e trouxe de volta minha verdadeira identidade: Semelhante à do Pai. No entanto, sinto-me como se estivesse vestido com um colete à prova de bala, que me impede de ser livre para expor quem verdadeiramente sou. A verdade é que sou mais caça que caçador; e quanto mais caça me sinto mais gente vejo que sou. Gente que se esconde com medo de ser envergonhada; gente que corre pra não ser cozinhada; gente que é usada e abusada; gente aproveitada e rejeitada; gente odiada mais também amada; gente admirada e ignorada; gente que se suja e é sujada; gente que fala e é mal interpretada; enfim, gente que é gente como toda gente é: Simples pecadores, amados e desejados por Deus.
Uma coisa eu sei, e sei por convicção e revelação, que caminho no Caminho que um dia se fez gente como a gente, para nos libertar de muita gente e também da gente mesmo. Chegará o dia em que não é só minha consciência que experimentará total liberdade, mas a consciência de todo aquele que tiver consciência de que precisa primeiro caçar a si mesmo. E assim sendo, não mais haverá caçadores de consciências.
“... conservemos o mistério da fé com a consciência pura.” (I Tm.3:9).

domingo, 11 de abril de 2010

QUIETUDE

Às vezes fico a me perguntar se alguma vez, por alguns instantes, já vivi na íntegra esta orientação divina: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Sl.46:10). Refletindo sobre isto, fui levado a admitir que, depois da fase da inocência, já faz muito tempo que deixei de usufruir da verdadeira quietude.
Misturei as coisas. Fui iludido pelo que parece ser, mas não é. Esforcei-me o bastante para aquietar-me. Para ser bem franco, acho que no geral estou enquadrado entre aqueles que tiram boas notas, por manter a compostura esperada pela maioria, diante das adversidades. O zelo pela ética e pelos padrões dos bons costumes; o proceder de forma pacífica nos relacionamentos; o suportar em silêncio as agruras do dia-a-dia; o abrir mão de direitos pessoais com facilidade; o aceitar os infortúnios da vida sem murmuração; e coisas semelhantes, podem camuflar a realidade de insegurança e intranqüilidade de muitas pessoas. Estas coisas são saudáveis, no entanto não podem ser confundidas como sendo uma prática de real quietação interior.
Por falta de experiência própria, me conformei com as migalhas de um viver quieto e sossegado, que é resultado de um coração tranqüilo, calmo e sereno. Fiz dos meus momentos de bem-estar um prato especial, quando na verdade era só o tira-gosto. Condicionei o “aquietar-se” como sendo algo dependente do ambiente exterior e das condições favoráveis à realização dos meus desejos e prazeres. Associei a quietude ao modo de proceder, e à segurança ilusória do ter; ignorei o “ser” como sendo o verdadeiro acento da tranqüilidade e paz interior. A verdade é que a paz que o mundo dá pode adormecer o coração e impedir de se viver no remanso da paz eterna.
Hoje compreendo que, estar quieto não tem a ver prioritariamente com o estado de espírito de uma pessoa ou com o mundo exterior em que ela vive, mas antes de tudo com a capacidade de sabermos realmente quem somos. Foi o que aconteceu com João Batista. Ele dizia que não era o que diziam dele, porque tinha ciência e consciência quem ele era: “Eu sou apenas o amigo do noivo”. Isso também aconteceu com o apóstolo Paulo. Ele dizia dele: “Pela graça de Deus, sou o que sou”. E com Jesus não foi diferente. Ele afirmou:
“Eu nasci para ser testemunha da verdade”.
Quando sabemos quem somos verdadeiramente e o que Deus é para nós, então acontecerá uma fusão do viver natural com o espiritual, de tal forma que poderemos dizer como o apóstolo Paulo: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim” E assim sendo, experimentaremos a mesma quietude que ele viveu quando disse:
“A tua graça me basta”.
O salmo 46 inicia apresentando Deus como nosso refúgio, fortaleza e socorro, e fecha nos incitando a vivermos quietos, não apenas como conseqüência do que Ele faz por nós, mas principalmente de que Ele é Deus. Saber que Deus é Deus e que pela sua graça Ele nos fez alvo do seu imensurável amor, é que nos faz viver de forma quieta. É isto que realmente importa, e é assim que quero viver intensamente.

quinta-feira, 11 de março de 2010

O INEXPLICÁVEL

No íntimo sempre esperamos explicação para tudo na vida. Mesmo quando as explicações são evasivas, ainda assim, preferimos viver iludido a ficar sem. Parece quase impossível vivermos sem respostas convincentes, aos “porquês” da vida; é como ser um usuário crônico de drogas, onde o corpo sente uma compulsão descontrolada para ser saciado, e não suporta a crise da abstinência.
Mesmo sendo os seres mais inteligentes da terra, às vezes nos comportamos como verdadeiros imbecis, porque não somos capazes de aceitar que o inexplicável também é uma resposta, e na maioria das vezes a melhor resposta. Sempre que criamos explicação para o inexplicável, estamos tentando matar a incógnita que agita em nós o medo do desconhecido, mas que na verdade age como um espinho para reconhecermos nossas limitações e vulnerabilidades. Talvez este fosse o grande desejo dos dois primeiros humanos: explicar o inexplicável, conhecer o que não é para ser conhecido, encontrar o que não é para ser encontrado. Entretanto, e sem melindre nenhum, podemos afirmar que foi o próprio Criador quem os expôs a isto; e se assim foi, relaxemos, porque até dentro do “Tudo o que Deus fez, foi muito bom” há espaço para o inexplicável também, caso contrário, tornamo-Lo mentiroso, o que é algo infinitamente inconcebível.
A nossa imbecilidade é tamanha, que achamos, e até exigimos, que o Criador deva nos dá explicação para tudo. Agimos como uma criança malcriada; espezinhamos, gritamos e até nos revoltamos, quando ficamos sem respostas. Em contra partida, e isto é o que eu chamo de “hereditariedade divina”, rejeitamos o inexplicável porque em nós reside a natureza Daquele que dá sentido de ser e existir para tudo. Aceitar o inexplicável como algo que só pode ser explicado pelo Ser Inexplicável, é um ato de confiança plena neste Ser que nos gerou conforme a sua imagem e semelhança.
Mas, se aprofundarmos um pouco mais o discurso, concluiremos que nossa ânsia em desvendar o inexplicável, extrapola o âmbito do assemelhar-se com o Onisciente; advêm muito mais do desejo e motivação original, brotados na mente humana pelo tentador, de sermos não apenas semelhantes, mas iguais ao Criador. Estar em pé de igualdade com Deus, explica a existência do inconformismo humano em aceitar o inescrutável, o ininteligível, o ignoto.
Convenhamos; se tudo nos fosse desvendado por antecipação, a vida na terra seria tediosa e sem graça. Um simples filme de suspense nos agita e produz em nós um gostinho de quero mais, não porque se descobriu o segredo, mas pela sensação e prazer de perseguir o desconhecido e desvendar o que não nos foi explicado antes. E é aí que o fim das coisas é melhor que o começo delas, como diz Salomão, porque normalmente não se chega ao fim sem antes experimentarmos a tensão da incerteza e do inexplicável, que torna a descoberta final uma vitória espetacular.
Demorou; mas aprendi que, felizes são aqueles que resolveram fazer do inexplicável e do desconhecido um hino de adoração Àquele que acima de tudo não é explicável e nem deve explicação: “Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Quem compreendeu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a Ele, para que lhe seja recompensado? Porque Dele e por Ele e para Ele são todas as coisas. Glória, pois, a Ele eternamente. Amém” (Ro.11:33-36).

quarta-feira, 3 de março de 2010

CHUVA

Olhar por cima a chuva caindo é algo nostálgico e terapêutico para mim.
Todas as vezes que começa a chover, corro pra janela e banho na chuva sem me molhar.
Do quinto andar, fico observando a chuva cair, sobre telhados, árvores e asfalto; também a vejo solta no ar.
[...]
É tempo de chuva!
Chuva que cai, chuva que vai...
Chuva que desce pra depois subir...
Chuva que molha, renova e transforma...
Chuva que inunda, encharca, lava e suja...
Chuva que faz os pés molhar e impede a roupa enxugar...
Chuva que enche e faz os rios transbordar...
Chuva esperada, chuva rejeitada...
Chuva! Ó chuva! Chegaste na hora certa, mas demoraste a passar...
O volume das tuas águas fez o bueiro submergir e a casa alagar...
Chuva que sacia as raízes das árvores para os frutos alimentar...
Chuva que nasce de baixo, mas só de cima se deixar revelar...
Chuva de outrora, que me fez banhar, na goteira do telhado do meu lar...
Chuva que molhou minha cabeça e encharcou minha memória...
Chuva que marcou minha infância e enriqueceu minha história...
Chuva! Ó chuva! Quem me dera ser como tu, usada por Deus para todos abençoar...
[...]
Que saudade das chuvas de maio, que quando criança, minha mãe me deixava banhar.
Que saudade das chuvas de inverno, que nos campinhos faziam a gente escorregar.
Chuva! Ó chuva! Estarei na janela, sempre à tua espera, para contigo relembrar.


domingo, 14 de fevereiro de 2010

Lembranças da infância - II

Esta é mais uma das muitas histórias que vivi com minha família. Não me lembro quem plantou aquela goiabeira. Ela foi crescendo sem mesmo percebermos. Eu estava passando da fase da adolescência para juventude. Meus três irmãos ainda eram adolescentes, minha irmã mais velha já tinha constituído família e a mais nova morava em São Paulo com uma tia nossa.
No quintal de nossa casa, que era pequeno, só havia este pé de fruta, e isso foi um dos motivos que esta goiabeira permaneceu em nossa memória. Logo que a goiabeira cresceu, despertou nossa atenção, porque possuía qualidades admiráveis. Era viçosa e frondosa; dava fruto constantemente; suas goiabas eram grandes e saborosas; suas folhagens eram bem verdes e vivas. Foi devido a todas estas qualidades que cultivamos carinho e cuidado por ela.
Como sempre fui um admirador da natureza, tentei encontrar a razão da beleza e do vigor daquela árvore. Não foi difícil descobrir. O segredo estava no trato e na forma como meu pai cuidava dela. Havia enfrente da nossa casa uma área verde, que na verdade chamávamos de “matagal”, e era de lá que papai tirava o estrume para colocar no pé da goiabeira. Se não me falha a memória, ele também colocava borra de café e casca de ovo. Via em meu pai muita satisfação em cuidar daquela árvore, que com certeza influenciou muito para que ela se desenvolvesse de forma saudável e frutífera.
O fato de morarmos na periferia urbana era de costume termos contato direto com a natureza. Comíamos frutas tiradas direto do pé (Hoje eu só tiro do “pé” meias e sapatos); banhávamos em rios de águas bem límpidas (Aprendemos a nadar nestes rios, sem ajuda de ninguém); entravamos no mato para caçar calangos e camaleões, com baladeiras; jogávamos bola em campinhos (De segunda a domingo); banhávamos na chuva; mexíamos em casa de abelhas (E como dói uma picada de abelha!); comíamos babaçu, palmito e tucum (E não dava diarréia); no inverno brincávamos no chão molhado de chuxo; no verão, de peteca (bolinha de gude) e de empinar papagaio (pipa). Em suma, vivi uma vida simples, saudável e cheia de aventuras.
Com esta forma de viver, desenvolvemos naturalmente algumas habilidades, e uma delas era a facilidade de subir com muita rapidez e sem cair, na goiabeira lá de casa. Isso mamãe não gostava. Por dois motivos. Um, era com medo de cairmos, o outro era quando ela queria nos corrigir e nós subíamos na goiabeira; ela ficava furiosa. Sem sombra de dúvida, a surra era grande quando papai chegava, e ninguém ficava revoltado (Naquela época jamais imaginávamos que um dia se teria chance de dá parte no juizado de menor; até porque só existia Delegacia).
Como aquela goiabeira nos ajudou! Quando as coisas estavam “apertadas” financeiramente lá em casa, e não tínhamos a tradicional merenda, a saída era subir na goiabeira e encontrar a melhor goiaba. E aí, levava vantagem quem fosse mais esperto. Mas, aquela goiabeira nunca nos deixava de mãos vazias, sempre tinha goiaba para todos. Talvez seja estranho, mas hoje creio que aquela goiabeira foi uma providência de Deus nos momentos de escassez lá em casa. Como a gente dizia na época: “Hoje ela salvou a pátria”. Como isso aconteceu há muito tempo, e tudo na vida é passageiro, a goiabeira lá de casa também passou, e com ela mais um tempo maravilhoso que vivi com minha família.
Ainda tem muitas histórias pra contar, mas vou parar por aqui. Estou satisfeito em relembrar meu passado. Sinto-me revigorado e com mais força para continuar a percorrer minha estrada. Uma coisa eu tenho viva dentro de mim: A minha história de vida foi escrita por Deus, por isso, a Ele toda glória!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Incrível! Fui a Marte.

No mês de fevereiro tirei quinze dias de férias. Foi ótimo ficar estes dias fora da instituição. Aproveitei bastante para ficar mais tempo com minha família. Não tive recursos suficientes para viajar para fora do Estado, mas voltei a passear nos lençóis Maranhenses. Ali me senti mais perto de Deus. Talvez por isso, Ele me presenteou com uma viagem extraterrestre. Uauh!

Nunca pensei que poderia ir tão longe assim. Já sonhei até chegando à lua, mas chegar a Marte foi demais. Ora, isso só foi possível devido à facilidade de mergulhar no silêncio da madrugada. São 1:30h de domingo. O silêncio dentro do meu apartamento é intenso e o lá de fora é tétrico. Todos dormem; inclusive o cachorro do vizinho de frente do meu prédio. É estranho! Porque aquele vira-lata troca o dia pela noite. Quem sabe não está sonhando latindo em Marte! A esta altura da madrugada acho que até os animais sonham.


É incrível, mas sempre que estou sem sono, se não ler alguma coisa, acabo dando as mãos para o silêncio, e juntos, nos embrenhamos por caminhos que me levam a lugares que só o meu espírito pode ir, sem gastar tempo nem dinheiro. Pra ser bem sincero, acho sensacional, porque fico conhecendo lugares espetaculares, incluindo os que estão fora da órbita da terra. Antes de continuar, acho que você está pensando que sou um “débil mental”. Talvez seja! Mas é verdade, é possível ir a Marte. O problema é que só os “loucos” vão a Marte. Mesmo assim, sem querer que você fique louco, o convite está feito: Vamos para Marte!


Antes de dizer como foi minha chegada em Marte, quero revelar algo que me veio à mente de repente. Pensei na NASA. Gastou tanto dinheiro para levar o homem à Lua, e eu só gastei uma parte da noite para ir a Marte. Que coisa, hem? Impressionante!

Quando cheguei ao planeta vermelho, fiquei muito chateado, porque esperava uma recepção calorosa e com muita festa por parte da turma que vivi por lá. Por incrível que pareça, não apareceu ninguém, nem mesmo vi um óvnis sequer. Então falei comigo mesmo: Deixa está; guando eles forem passear na terra, também farei o mesmo. Aos poucos a chateação passou, e então resolvi dá um passeio. Êpa! Tive a impressão de ter ouvido um latido. Mas foi só impressão. Voltei ao passeio extraterrestre. Tentei vê alguma coisa, no entanto, só consegui me vê na imensidão do silêncio daquele planeta. Então abandonei o passeio planetário e passei a passear dentro de mim mesmo. Para minha total surpresa descobri que, dentro de mim, o vermelho era infinitamente mais vivo do que o vermelho de Marte. E foi neste exato momento que tudo que estava acontecendo passou a ter real sentido para mim. Entendi perfeitamente. “A vida pulsa nas veias de um Ser e não no silêncio do vazio”.


Depois de tudo isso, a verdade é que eu acordei ouvindo o latido do cachorro do vizinho. O silêncio foi embora e o sonho acabou. Acordei! Poxa, estava tão bom viver esta loucura! Depois que acordei senti saudades de Marte. É verdade, é possível ir a Marte. Chega! Voltemos pra terra, porque a realidade nos espera.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Uma incômoda experiência

Já fazia bastante tempo! Já nem sabia o que era sentir isso. Achei amargo o gostinho do desprezo. Fiquei apertado por dentro. Depois que minha mãe se foi, pela primeira vez senti muito forte a carência do abraço materno. A sensação de ausência de quem se gosta, mesmo este alguém estando presente, é terrível. Depreciei aos olhos de quem dizia me admirar. Esta incômoda experiência atiçou minha vulnerabilidade e me fez refletir sobre a transitoriedade dos sentimentos. Tudo passa! Até os sentimentos mais sublimes sucumbem ao tempo. Creio que Deus criou o tempo para servir de cura para a alma, também. Só o tempo pode aliviar a saudade de um ente que partiu; a dor da separação de um casal; a agonia da quebra de um relacionamento amigável; o mal-estar gerado pelo espaço vazio que um dia foi ocupado por um amigo mais chegado que irmão.
Não ouso, nem de longe, comparar minha experiência com o abandono e desprezo que Cristo sentiu, ao ser levado para cruz. Seria uma incoerência desmedida. Seria equipara-se com Alguém que viveu o que viveu para que eu tivesse vida. Não! No entanto, um farelo ínfimo do desprezo me atingiu. Engoli o choro. Travei a respiração. E a parti daí me vi ao lado de Maria aos pés da cruz de Cristo.
A cena da crucificação me fez olhar para mim mesmo, para meu egoísmo e presunção de achar que não era justo ser desprezado ou ignorado. Quem eu acho que sou para pensar que posso agradar a todos? No fundo, o que sentia mesmo é que deveria ser amado e admirado por todos. Que loucura! Que imaturidade! Que ilusão! Que pretensão! Fui fisgado pelo pecado da arrogância de querer ser o que nem Ele foi entre os homens. Miserável homem que sou!
Calei-me. Silenciei-me. A ponto de só ouvir as batidas do Seu coração. Minha mente vagueou; meus olhos fixaram-se no infinito; minha alma aquietou-se; meu espírito descansou como um filho que descansa nos braços do Pai, para ser inundado por seu amor Eterno. O olhar Dele me fez sereno, me sarou, me libertou, fez-me entender que devemos amar mesmo quando não se é amado, e que o ser desprezado é componente de um processo de ser cada dia semelhante a Ele.
Levantei-me, olhei para Maria e vi no rosto dela a aparência do Filho. Então segui de volta no meu caminho, fortalecido pela forca do Seu olhar. Já bem longe ouvi a voz Daquele que me dizia: “Não temas, pois eu sou contigo; não te assombres, pois eu sou o teu Deus. Eu te fortalecerei, e te ajudarei; eu te sustentarei com a destra da minha justiça”