domingo, 23 de janeiro de 2011

INVERNO

Inicia-se a estação que mais mexe com meus sentimentos, porque atiça as minhas lembranças. Inverno! É tempo em que a pressa é vencida pela natureza, porque de certa forma o inverno freia a correria urbana e dificulta o deslocamento das pessoas. É quando a luz do sol que toca o chão do planeta é interceptada pelos colchões de nuvens que escurecem a terra.
Neste período o céu fica cinzento e o vento frio desliza na pele dando a sensação de estar sempre molhada. O interior da casa se torna mais aconchegante e o recolhimento do final do dia passa a ser uma mistura de prazer e necessidade. É o tempo em que os humanos mais se identificam com as aves quando estão chocando; assim como as aves não querem sair do ninho, assim também é no inverno quando a chuva cai e o leito aquece mais. Na verdade não é a cama que nos aquece durante o inverno, e sim o calor do nosso corpo que deixamos nela. No frio do inverno quando o dia amanhece, somos como as aves que deixam seu calor no ninho e saem para voar, mas logo que a chuva cai desejam voltar.
Quando eu era menino a casa de meus pais não tinha forro no teto, então nas noites de inverno dormíamos ouvindo o som da chuva sobre o telhado. Nas vezes que estava sem sono e todos já dormiam, eu ficava ouvindo o gotejar da chuva no telhado, e este som era como música que me fazia dormir. Naquela época o inverno era longo e as chuvas eram contínuas, a ponto de chover o dia e a noite inteira. Lembro-me de como minha mãe ficava tensa quando via a claridade dos relâmpagos e ouvia o som dos trovões. A primeira coisa que ela fazia era fechar a casa e cobrir todos os espelhos com lençóis, com medo de atrair raios. Também se evitava pegar faca e talheres. Quando se ouvia os trovões ela pedia para nos calarmos porque “Deus estava falando”. Por causa destas coisas e do próprio clima frio, ficávamos mais calmos e silenciosos dentro de casa.
Penso como Fernando Pessoa: “Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é”. Assim como o sol, a chuva também é sinal do amor de Deus para com a humanidade. Ele faz chover sobre todos. Ela não é propriedade e nem privilégio de ninguém; é livre para cair quando bem quiser. Debaixo dela não há exclusividade, e isto Jesus deixou bem claro quando afirmou que é derramada sobre justos e injustos. Dependendo da situação, assim como a chuva encharca o chão, pode também encharcar o coração. Enche de alegria o lavrador, quando molha e alimenta a terra seca; enche de esperança ao saciar a sede de quem mora no sertão; faz a felicidade do pescador transbordar porque inunda o leito do rio e permite que os peixes voltem a nadar.
O inverno ao mesmo tempo em que esfria o corpo, pode também aquecer um coração carente de quietude. Embora produza zoada no céu e na terra, no entanto, abre espaço para o silêncio no coração humano.
Certa vez ouvi um homem dizer que o inverno é como um caixeiro viajante, de tempos em tempos ele passa no mesmo lugar. Ali chegando, ele deixa sua semente e vai embora; e cada vez que retorna ele rega a mesma semente, até que um dia ela se transforma em fonte de mantimento para si. Assim é com o inverno, a água que desce é como semente, que depois de semeada um dia também sobe para alimenta a estação do inverno seguinte.
Como todas as coisas na vida, o inverno vai passar, mas também vai voltar. E quando ele voltar desejo que continue atiçando minhas lembranças e encharcando minha alma de esperança.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Saudade desalmada

Não é saudade do que vivi e ficou pra trás.
Nem tão pouco é saudade do que outrora experimentei e me lembrei.
Esta saudade é saudade desalmada porque é saudade do que não vivi o que no passado desejei. Como diz Fernando Pessoa no Livro do Desassossego: “... não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram”.
Coisas que nunca foram, nem sempre significa que não existiram, mas porque deixamos de usufruí-las no passado: Uma viagem perdida, contada pelos outros; um livro não lido, mas muito comentado, que já não se acha mais; um namoro desejado, que foi impedido pela distância; o jogo esperado, que coincidiu com a prova da faculdade; uma aproximação maior com alguém que já não existe mais, e por aí vai...
Saudade sentida do que deveria ser, mas não foi.
É aquela saudade marcada pelo vazio de algo que existe na lembrança do passado. Acho que o Rubem Alves tinha razão ao dizer: “Saudade é a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade”.
Há! Como seria diferente meu hoje se meu passado tivesse deixado esse vazio ser preenchido por aquilo que deixou de ser!
Retroceder é impossível, choramingar o tempo perdido é tolice, admitir a verdade é o melhor a fazer.
Não foi meu passado que tornou meu presente diferente, foram tão somente as nódoas das minhas omissões, medos, conformações e procrastinações.
Diante da verdade só me resta uma coisa a fazer: Transformar esta saudade em um aliado pra viver melhor o presente.
O meu consolo é a certeza que esta saudade é sufocada pelo agora, pela vontade de continuar vivendo o que vivo hoje, independe do que não vivi ontem. Com o passar do tempo minha saudade ganhou alma e meu passado fez as pazes com meu presente.
A verdade é que minha esperança se tornou maior que meu passado, por isso nenhuma saudade é maior que meu presente e futuro. Vivo o presente olhando firmemente para o futuro: A volta gloriosa do Eterno!
Cristo! Minha maior esperança!