quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Amadurecer

Gosto muito de definir as palavras a partir de sua própria grafia. Um dos artifícios que uso, quando possível, é separar as palavras que compõe aquela que estou definindo. No caso da palavra “amadurecer” não houve como fazer o desmembramento. Então foi aí que veio à minha mente que o amadurecimento, embora ocorra dentro de um processo, tem como propósito maior o alcance do pleno desenvolvimento, ou seja, do ponto ideal de equilíbrio. Esta palavra deriva de “maduro” que vem do latim Maturus, que por sua vez se refere a um fruto que estar em seu tempo certo de ser consumido. Em relação ao fruto, o amadurecimento se processa de forma natural; quanto às pessoas este processo muitas vezes é doloroso porque as transformações nem sempre atingem o ser humano de forma integral: corpo, alma e espírito. Sempre que o amadurecimento de uma pessoa atinge todas as partes do seu ser, este se processa de forma equilibrada. É o caso do mestre Jesus, que no seu processo de amadurecimento, crescia em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens (Lc.2:52). O que está ocorrendo com a humanidade hoje é que as pessoas estão amadurecendo em uma parte e atrofiando em outras. Penso que o verdadeiro amadurecimento acontece de forma silenciosa. Alguém já disse que “todo fruto silencioso amadurece lentamente”. Entendo também que a maturidade está atrelada ao grau de importância que se dá à vida. Concordo com Nietzsche quando disse “O homem chega à sua maturidade quando encara a vida com a mesma seriedade que uma criança encara uma brincadeira”. Aprender a lidar com a vida de tal forma a tirar o máximo proveito dela, é demonstração de maturidade. Quem é maduro sabe brincar com a vida sem depreciá-la. Por outro lado, maturidade é um processo que só termina quando a vida se encerra. Não devemos esquecer que o fruto maduro deve ser comido, porque passando do ponto ele apodrece. Quem quer alcançar maturidade e continuar vivendo, tem que ser aquilo que Gonzaguinha cantou: “Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz...” Infelizmente há pessoas que jamais avançam para a maturidade, por isso nunca estão aptas para discernir tanto o bem quanto o mal. Não sabem lidar com as adversidades da vida e acabam ignorando o conselho do sábio Salomão: “... há uma hora certa e também uma maneira certa de agir para cada situação” (Ecl.8:6). Há também que se considerar a importância da vivência e da experiência como meios indispensáveis para o alcance da maturidade. O próprio sábio deixou claro que a idade tem sua parcela de contribuição: “Pobre da terra cujo rei é jovem demais...” (Ecl.10:16). Para mim, um dos homens que melhor expressou maturidade foi João Batista. Embora sendo grande aos olhos de Deus e dos homens agiu com equilíbrio em relação a si mesmo. Somente aqueles que estão dispostos a admitir o que não são para poderem ser o que realmente são, alcançarão a verdadeira maturidade. Êpa! Acho que a palavra “maturidade” fica mais fácil de desmembrar: Maturar + idade. Eureka!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Seguindo a jornada

Vou seguindo! Caminho no compasso da melodia que a própria vida me ensinou. Sem correria e sem ansiedade simplesmente vou seguindo. Sigo tomado por uma profunda leveza interior. Neste seguir, às vezes olhando para o passado e outras olhando para o futuro, vou usufruindo o presente sem perder o prazer de tão somente viver.
À medida que prossigo, minha vista fixa-se no horizonte que separa o palpável do intocável; meus pensamentos vagueiam entre o real e o imaginário, entre o sonho e a realidade. Não sinto solidão, porque mesmo quando estou só, sinto completude interior. Há a companhia Daquele que estar sempre presente, e que ocupa todos os espaços dentro e fora de mim.
Não caminho sem destino, sem objetivo, sem saber o alvo a alcançar. Já bem cedo entendi a mensagem do gato para Alice: “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”. No entanto, não há pressa em chegar. Há tão somente o desejo de caminhar sem o jugo de ter que chegar de qualquer jeito; sem o peso de concluir a jornada nos moldes que o processo comum impõe. Descobri que chegar ao fim da estrada tem mais sabor quando se usufrui bastante das coisas que estão no meio do caminho.
Na minha caminhada não há espaço para ociosidade ou monotonia, porque a satisfação nunca é um ponto final. Neste caso, comungo com o que Guimarães Rosa dizia: “O animal satisfeito dorme”. Prefiro a satisfação que me deixa acordado; que atiça o desejo de quero mais; que me impulsiona a continuar a peregrinação. Determinado, sigo entoando a música de Geraldo Vandré: “Caminhando e cantando e seguindo a canção; aprendendo e ensinando uma nova lição”.
Sem parar, prossigo com a mesma consciência do profeta Jeremias ao reconhecer que, não é do homem o seu caminho, nem é do homem que caminha o dirigir os seus passos. Concomitantemente, percorro com a mesma determinação do mestre Jesus: “Importa, porém, caminhar hoje, amanhã, e no dia seguinte...”. Tudo isto, para não morrer no lugar errado.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Só existindo

Aqui estou eu. Estirado em minha cama. Lugar sem igual. Debruçado com os cotovelos apoiado no colchão vou navegando através do meu notebook. Tudo aconteceu depois do almoço, por volta das duas da tarde de domingo. Num estalo, senti uma vontade imensa de ficar largado e relaxado sem me concentrar em nada, nem em mim mesmo. Só existindo. Nada mais.
Foi rápido, estranho e extraordinário. Foi como gozar a vida no que ela é de mais sublime: Vida! Em poucos instantes experimentei o inverso de tudo que dizemos ser vida. Minha mente ficou oca, esvaziada de tudo. Nenhum pensamento; nenhum desejo; nenhum sonho; nenhuma imaginação. Nada! Parou tudo. Só restou o existir. Fiquei quieto, mergulhado na imensidão do nada. Em nenhum momento me senti fora do corpo, como se estivesse em dimensão Astral ou Àtmica. Não! O que experimentei foi uma sensação de está em “outside dimension”, ou seja, fora de dimensão de tudo concernente ao mundo físico. Era como estar flutuando na imensidão do infinito. Afirmo também que não foi nenhum tipo de arrebatamento espiritual, no corpo ou fora do corpo, parecido com que o tal homem, descrito pelo apóstolo Paulo, experimentou. No entanto, não tenho dúvida de que fui engolido e traspassado pelo transcendente, por algo que está além da existência humana.
Tento encontrar comparações para explicar o inexplicável. De início foi mais ou menos parecido com um sair de órbita e ficar vagando no espaço sideral, livre de qualquer força externa. Só que com uma diferença. Havia fôlego em mim; havia vida. Ou talvez o que vivi se assemelha ao descrito por Fernando Pessoa no poema “Na floresta do alheamento”: Minha atenção bóia entre dois mundos e vê cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um céu, e estas profundezas penetram-me, misturam-se, e eu não sei onde estou... Mas, pensando bem, acho que foi mais parecido com o Aleph de Carlos Argentino, personagem de Jorge Luis Borges. Tinha a visão de quem estava em um ponto do espaço que continha todos os pontos, ou seja, todos os lugares do orbe visto de todos os ângulos. Esta visão era para mim como um mundo maior que todos os mundos.
O extraordinário é que tudo isto embora tão rápido, foi para mim uma eternidade dentro do tempo. A verdade é que esta experiência se tornou um ponto luminoso no céu da minha vida. Também dilatou minha convicção de que o existir é que dá sentido a tudo que se vive na terra. Não é à toa que na bíblia Deus se revela como “Eu Sou”, o sempre-existente.

domingo, 19 de junho de 2011

Saberes e mais saberes

Nada mais do que isto! Quero viver com a alma livre do jugo do saber. Com toda esta baderna religiosa resultado de falácias e mais falácias, decidir manter-me como um observador que vê sem se importar em saber ou absorver. Cansei de testemunhar tanta incoerência entre o viver e o falar, por isto resolvi seguir a minha própria consciência. Só que minha consciência exigiu de mim a morte do excesso do saber, adormecido no meu subconsciente. Para isto tive que praticar eutanásia, ou seja, proporcionar a morte deste vão saber que carreguei por muito tempo dentro de mim. Foi preciso exalar o ar entorpecente da doutrina institucional para que eu ficasse imunizado da vã maneira de saber.
Sobre o saber, nunca me sentir tão bem como me sinto hoje. Sinto-me como um aprendiz conduzido pela força do vento socrático, ou seja, pela consciência de saber que só sei que nada sei. Demorou, mais descobri que é quando nada se sabe que realmente se depende do único que sabe de todas as coisas, Deus! Talvez o problema de Adão tenha sido este, de querer saber o que não era para saber, e aí uma vez sabendo, acabou sabendo demais. O ruim disto é que sobrou pra todo mundo..., porque todo mundo só quer saber!
Penso que um dos maiores legados deixado pelo apóstolo Paulo à Igreja foi avisá-la sobre o prejuízo que o excesso do saber produz. Saber com moderação é não saber mais do que convém saber. Infelizmente a igreja de hoje, melhor dizendo, aqueles que se revelam como detentores do conhecimento de Deus, ignoram isto, e preferem continuar inchados pelo sopro da ciência. Foram contaminados pela presunção de pensar que sabem tudo de Deus. Puro engano! A falta do saber pode nos destruir, mas o muito saber pode nos fazer delirar. E é isto que está acontecendo hoje no meio da Igreja. O pregador avisou: “... o que aumenta o saber aumenta a tristeza, por isto aquele que possui conhecimento refreie suas palavras, porque quem cerra os lábios é tido por sábio e entendido”.
Decido terminantemente fazer calar e sossegar a minha alma, com o propósito único de manter meu espírito sereno. Diante dos saberes e mais saberes, meu desejo é simplesmente entoar o hino de adoração a Deus: “O profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Porque quem compreendeu a mente do Senhor? ou quem foi seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém” (Ro.11:33-36).

terça-feira, 3 de maio de 2011

Tudo na vida tem seu contraposto

São idênticas. Na sala do meu apartamento, junto à mesa de vidro de formato asa delta, as seis cadeiras formam um conjunto perfeito. O assento é do tipo estofado e a estrutura é toda de madeira seca amarelada. Como tudo que é muito usado, sentar nestas cadeiras é algo comum e natural para mim. A vida é assim, aquilo que mais usamos é o que menos nos chama atenção. No geral, pouco se percebe o valor das coisas comuns da vida. A trivialidade é como uma moeda; tem dois lados do mesmo tamanho, no entanto retratam coisas diferentes. Ao mesmo tempo em que algo é muito usado, concomitantemente é também muito ignorado.
Foi preciso que as térmitas realizassem de forma silenciosa e bem feito seu trabalho de destruição, para que eu voltasse a valorizar aquelas cadeiras. Como de costume, acordei bem cedo e abri as janelas da sala do meu apartamento para me deleitar com a brisa da manhã. Depois de contemplar o nascer do sol voltei os olhos para o interior da sala, e aí tive uma surpresa desagradável. Debaixo de uma das cadeiras observei a presença de excrementos de térmitas, uma espécie de granulados amarelados. Isso foi suficiente para voltar a olhar aquelas cadeiras com os olhos da valorização e admiração. Até então elas valiam pela minha necessidade de momento: sentar. Ao perceber que estavam sendo destruídas, passei a valorizá-las não apenas pela utilidade de fazer meu corpo descansar, mas também pela beleza que transmitiam ao formarem um conjunto agradável com a mesa. Mesmo que não queiramos admitir, tudo na vida tem seu contraposto. Penso que este é também um dos motivos do apóstolo Paulo afirmar que aprendeu a está contente em toda e qualquer situação. O sábio Salomão inquiriu: “Quem sabe o que é bom nesta vida para o homem, durante os poucos dias da sua vaidade?” A resposta do poeta Fernando Pessoa me é suficiente: “Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão”. O trabalho das térmitas foi danoso para as cadeiras e me deu prejuízo financeiro, mas em contrapartida produziu um efeito significativo na minha vida, porque despertou em mim a valorização pelas coisas comuns e corriqueiras da vida. Neste caso, devo elogiar as térmitas, porque comungo com o ensino bíblico de que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus. Entender o contraposto das coisas é fácil, difícil é aceitar.

domingo, 20 de março de 2011

O olhar e o ver

"Olhe para os pássaros, olhe para as flores...”. Como Alguém que teve uma missão tão grande a realizar encontrou tempo para contemplar a natureza, os pássaros, as flores? A visão de Jesus penetrava na beleza da criação com tanta intensidade que suas palavras reverberavam o imenso cuidado de Deus pelas aves do céu e pelos lírios do campo. Dizem que os olhos vêem o que alma deseja. Ele disse: A alma alimenta-se do que os olhos vêem, e se os olhos forem bons todo o corpo terá luz.
Há aqueles que cegaram diante da beleza da vida, porque tem olhos, mas não vêem. Bem inquiriu Goethe: "Do que vale olhar sem ver?" E André Gide responde: "Que a importância esteja no teu olhar, não naquilo que olhas." Há também aqueles que perderam a sensibilidade de ouvir a cadência da melodia do viver, porque tem ouvidos, mas não ouvem.
A alma só contempla quando o olhar copula com o ver. O ver é a capacidade humana de enxergar; o olhar é a capacidade de deixar o coração ver primeiro; é quando a percepção antecede a visão. Ao contemplar os pássaros e as flores Jesus comungou com a liberdade de viver sem as algemas da ansiedade. A ansiedade torna a visibilidade da alma turva, e é aí que somos tragados pelo engano, porque ficamos entre a cegueira e a visão; o torto se torna direito e o direito torto. Quem vê e não consegue olhar é como ter catarata nos olhos, fica como que meio cego. E uma das dificuldades é não conseguir olhar as pessoas como realmente são, vidas que se movem em liberdade, e não arvores presas em seus próprios movimentos.
Os olhares falam mais alto do que um simples ver. Um olhar expõe o que está na alma, denuncia as intenções da mente e revela o que sente o coração. Um olhar pode ajuda o outro a reconhecer quem realmente é. Foi com o olhar de Jesus que Pedro conseguiu enxergar sua feiúra interior e ao mesmo tempo sentir a compaixão emanada através dos olhos do seu Mestre. Há momentos na vida que o olhar soa mais alto que o tom da voz, porque dependendo da situação, pode revelar aquilo que a boca não consegue dizer. A boca pode silenciar diante da morte ou da despedida, no entanto, o olhar permanece até perder de vista.
A vista cansa quando as pálpebras permanecem levantadas; o olhar se perde no vazio quando a alma silencia. Mas há momentos em que o olhar e o vê refletem o mesmo brilho: Quando os olhos estão encharcados de amor. Sempre que os olhos de duas pessoas que se amam se encontram, o olhar e o vê se tornam uma só coisa. E é só assim que se descobre o segredo do verdadeiro amor: “Olhando olhos nos olhos”.

sábado, 5 de março de 2011

Nasceu torto, torto morrerá!

Será que ainda tem conserto? Será que mesmo estando do avesso ainda tem jeito? Estou me referindo à Igreja Evangélica e não à Igreja de Jesus. Penso que não vai ter jeito mesmo, porque é questão de nascimento; já nasceu torta. Neste caso vale o que disse Salomão: “O que é torto não pode ser endireitado” (Ecl.1:15).
Pela dimensão que as coisas ficaram acho que a composição do Chico é o que melhor expressa a realidade da Igreja Evangélica hoje: “O que será que será? O que não tem certeza nem nunca terá; O que não tem conserto nem nunca terá; O que não tem tamanho/ ... O que não faz sentido/ ... O que não tem vergonha nem nunca terá; O que não tem juízo”.
Comecemos pelo adjetivo: “Evangélico”. Pode servir para qualificar qualquer coisa, menos as Boas-novas de Jesus. O que se vê hoje é que o Adjetivo entortou o Substantivo e este por sua vez passou a ter mais significado que o Verbo. No final o Nome distorceu o Significado e eliminou o Verbo.
É inútil a tentativa de endireitar o que não quer ser endireitado. É vã porque é gélido, quando se tenta aquecer-se sob o teto desta igreja institucionalizada.
Esta pseudo Igreja nasceu torta porque nasceu pra dentro e se fechou em si mesmo. Porque não foi gerada com o DNA dos voltados para fora, perdeu o sentido de ser como Igreja de Jesus. É uma igreja cujos olhos têm visão invertida, porém não tem cérebro pra fazer a devida correção, isto porque só olha pra si mesmo. E porque só olha pra si mesmo não consegue verdadeiramente si amar e muito menos amar os de fora. Tem como âncora de sustentação a religiosidade e o legalismo. Em vez de ser meio de difusão da Palavra tornou-se instrumento de descrédito, escândalo e escárnio no mundo.
Em contrapartida, a verdadeira Igreja permanece viva porque está firmada na Rocha Eterna e fundamentada no Evangelho de Jesus. Esta igreja está espalhada por todos os cantos deste mundo, porque é como fermento, influencia sem ser evidenciada; é como sal, tempera sem ser contaminada; e como luz, ilumina e brilha sem ofuscar a Luz maior que é Jesus. Quem olha para esta Igreja vê o brilho da luz que vem de cima iluminando os que estão embaixo. E quando esta Igreja brilha Deus é glorificado. Aleluia!

domingo, 23 de janeiro de 2011

INVERNO

Inicia-se a estação que mais mexe com meus sentimentos, porque atiça as minhas lembranças. Inverno! É tempo em que a pressa é vencida pela natureza, porque de certa forma o inverno freia a correria urbana e dificulta o deslocamento das pessoas. É quando a luz do sol que toca o chão do planeta é interceptada pelos colchões de nuvens que escurecem a terra.
Neste período o céu fica cinzento e o vento frio desliza na pele dando a sensação de estar sempre molhada. O interior da casa se torna mais aconchegante e o recolhimento do final do dia passa a ser uma mistura de prazer e necessidade. É o tempo em que os humanos mais se identificam com as aves quando estão chocando; assim como as aves não querem sair do ninho, assim também é no inverno quando a chuva cai e o leito aquece mais. Na verdade não é a cama que nos aquece durante o inverno, e sim o calor do nosso corpo que deixamos nela. No frio do inverno quando o dia amanhece, somos como as aves que deixam seu calor no ninho e saem para voar, mas logo que a chuva cai desejam voltar.
Quando eu era menino a casa de meus pais não tinha forro no teto, então nas noites de inverno dormíamos ouvindo o som da chuva sobre o telhado. Nas vezes que estava sem sono e todos já dormiam, eu ficava ouvindo o gotejar da chuva no telhado, e este som era como música que me fazia dormir. Naquela época o inverno era longo e as chuvas eram contínuas, a ponto de chover o dia e a noite inteira. Lembro-me de como minha mãe ficava tensa quando via a claridade dos relâmpagos e ouvia o som dos trovões. A primeira coisa que ela fazia era fechar a casa e cobrir todos os espelhos com lençóis, com medo de atrair raios. Também se evitava pegar faca e talheres. Quando se ouvia os trovões ela pedia para nos calarmos porque “Deus estava falando”. Por causa destas coisas e do próprio clima frio, ficávamos mais calmos e silenciosos dentro de casa.
Penso como Fernando Pessoa: “Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol. Ambos existem; cada um como é”. Assim como o sol, a chuva também é sinal do amor de Deus para com a humanidade. Ele faz chover sobre todos. Ela não é propriedade e nem privilégio de ninguém; é livre para cair quando bem quiser. Debaixo dela não há exclusividade, e isto Jesus deixou bem claro quando afirmou que é derramada sobre justos e injustos. Dependendo da situação, assim como a chuva encharca o chão, pode também encharcar o coração. Enche de alegria o lavrador, quando molha e alimenta a terra seca; enche de esperança ao saciar a sede de quem mora no sertão; faz a felicidade do pescador transbordar porque inunda o leito do rio e permite que os peixes voltem a nadar.
O inverno ao mesmo tempo em que esfria o corpo, pode também aquecer um coração carente de quietude. Embora produza zoada no céu e na terra, no entanto, abre espaço para o silêncio no coração humano.
Certa vez ouvi um homem dizer que o inverno é como um caixeiro viajante, de tempos em tempos ele passa no mesmo lugar. Ali chegando, ele deixa sua semente e vai embora; e cada vez que retorna ele rega a mesma semente, até que um dia ela se transforma em fonte de mantimento para si. Assim é com o inverno, a água que desce é como semente, que depois de semeada um dia também sobe para alimenta a estação do inverno seguinte.
Como todas as coisas na vida, o inverno vai passar, mas também vai voltar. E quando ele voltar desejo que continue atiçando minhas lembranças e encharcando minha alma de esperança.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Saudade desalmada

Não é saudade do que vivi e ficou pra trás.
Nem tão pouco é saudade do que outrora experimentei e me lembrei.
Esta saudade é saudade desalmada porque é saudade do que não vivi o que no passado desejei. Como diz Fernando Pessoa no Livro do Desassossego: “... não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram”.
Coisas que nunca foram, nem sempre significa que não existiram, mas porque deixamos de usufruí-las no passado: Uma viagem perdida, contada pelos outros; um livro não lido, mas muito comentado, que já não se acha mais; um namoro desejado, que foi impedido pela distância; o jogo esperado, que coincidiu com a prova da faculdade; uma aproximação maior com alguém que já não existe mais, e por aí vai...
Saudade sentida do que deveria ser, mas não foi.
É aquela saudade marcada pelo vazio de algo que existe na lembrança do passado. Acho que o Rubem Alves tinha razão ao dizer: “Saudade é a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade”.
Há! Como seria diferente meu hoje se meu passado tivesse deixado esse vazio ser preenchido por aquilo que deixou de ser!
Retroceder é impossível, choramingar o tempo perdido é tolice, admitir a verdade é o melhor a fazer.
Não foi meu passado que tornou meu presente diferente, foram tão somente as nódoas das minhas omissões, medos, conformações e procrastinações.
Diante da verdade só me resta uma coisa a fazer: Transformar esta saudade em um aliado pra viver melhor o presente.
O meu consolo é a certeza que esta saudade é sufocada pelo agora, pela vontade de continuar vivendo o que vivo hoje, independe do que não vivi ontem. Com o passar do tempo minha saudade ganhou alma e meu passado fez as pazes com meu presente.
A verdade é que minha esperança se tornou maior que meu passado, por isso nenhuma saudade é maior que meu presente e futuro. Vivo o presente olhando firmemente para o futuro: A volta gloriosa do Eterno!
Cristo! Minha maior esperança!