quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Ipê amarelo

Já começava a duvidar se neste ano ele iria florir. Toda manhã ia para janela na esperança de novamente contemplar suas flores amarelas se destacando entre o verde comum. Na verdade ele insiste em sobreviver no meio das novas construções. Lembro-me que quando nos mudamos para aquele prédio foi no período dos ipês florescerem. Em São Luis esse período acontece entre os meses de agosto e setembro. Fiquei encantado na primeira vez que o vi da janela do meu apartamento. Aos poucos fui me apegando a ele sem mesmo perceber. Fiz dele uma fonte de inspiração para minha alma. No bairro onde moro as transformações estão acontecendo a passos largos, por isso sinto que os últimos dias desta bela árvore já se aproximam. A cada dia ela sofre os efeitos do desmatamento; seus galhos já estão secando e sua folhagem murchando lentamente.

Mas este ano foi diferente! Aquele Ipê me surpreendeu! Quando o vi, percebi que ele tinha produzido flores amarelas com uma tonalidade especial. Fiquei tão radiante diante da beleza natural daquela árvore que minha afetividade por ela ficou mais profunda. Foi aí que entendi plenamente o que o escritor francês Gaston Bachelard quis dizer em “Ensaio sobre as imagens da intimidade”: Toda matéria meditada, torna-se imediatamente a imagem de uma intimidade. Através da contemplação, eu e aquele Ipê nos tornamos íntimos. Ele, pela sua beleza exterior chamava atenção de todos, mas eu o admirava submerso na imaginação do que havia dentro dele. Estava sentindo na pele aquilo que o poeta alemão Hans Carossa afirmou: O homem é a única criatura da terra que tem vontade de olhar para o interior de outra. À medida que minha vista se concentrava na imagem exterior, minha imaginação mergulhava para o interior daquele Ipê. A verdade é que a beleza dele entrava em mim e eu, por meio da imaginação, entrava nele. Descobrir que toda sua beleza visível era tão somente o invólucro do extraordinário que compunha seu interior.
Os dias passaram, as flores e as folhas caíram, e aquele Ipê ficou despido de sua beleza natural. No entanto, sempre que o contemplava, minha mente insistia em olha-lo do lado avesso. E foi assim que descobrir que uma imagem só pode ser bem admirada quando nossa imaginação nos transporta para seu interior. Uma mente fértil de percepção descobre com facilidade que a qualidade do que há dentro do que se vê é que definirá o tipo de aparência que terá. Este princípio corresponde também à imagem humana, pois como escreveu o sábio Salomão, o coração alegre aformoseia o rosto. Ao lermos os ensinos do mestre Jesus ver-se que este princípio está implícito em suas palavras, ou seja, que em todo aparente encontramos mais realidade naquilo que se oculta do que naquilo que se mostra: “... porque a boca fala do que está cheio o coração”; “Não julguem apenas pela aparência...”.

Isto tudo só vem reforçar a realidade da velha contradição de que, no branco existe o preto secreto que só pode ser trilhado através da imaginação pessoal. Sendo que este preto interior pode se revelar como fonte de beleza ou de feiura, dependendo das qualidades escondidas nele.
Pela minha imaginação entrei no cerne daquele Ipê, e ele pela sua beleza entrou no meu âmago. Na verdade fiz o que Jean-Paul Sartre afirmou: “É preciso inventar o âmago das coisas, se quisermos um dia descobri-lo”. Com o aprofundamento desta imagem encantadora e bela, fui levado a refletir sobre a profundidade de meu próprio ser.
Antes de ensinar seus discípulos, quem sabe não foi isto que Jesus vivenciou ao afirmar: “Vejam como crescem os lírios do campo!”.

Tudo o que Deus criou é muito bom (Gn.1:31).