segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Mimoso


Talvez quando filhote sim, mas depois que cresceu, de mimoso não tinha nada. Bem verdade é que o Mimoso que sempre me veio à mente foi o que conheci em uma brincadeira de São João durante as festas juninas. Esta brincadeira é muito valorizada em minha terra, o Maranhão, e é conhecida como Bumba-meu-boi. Tudo ocorre em volta do boi, que na verdade é a principal figura da festa, e consiste numa armação de madeira em formato de touro, coberta de veludo bordado. Em uma destas festas, o boi tinha o nome de Mimoso. Dizem que aquilo que se vê pela primeira vez é difícil de esquecer. Então eis aqui eu, falando de Mimoso.

Mas o Mimoso desta história é outro. Era o cachorro mais valente do bairro. É interessante, mas no processo da vida o próprio tempo se encarrega de fazer suas intervenções. No geral tudo que nasce, nasce delicado, agradável e mimoso. Só que com o tempo e com as transformações a beleza inicial se esvai. E assim o que era delicado fica só na lembrança. Imagino que seus donos só o nomearam de Mimoso porque era um filhote muito formoso. Só que ao crescer, aquele cachorro manifestou características semelhantes às de um touro brabo: Todo preto com pêlo liso e brilhoso, porte físico bem dividido e valentia acima do comum em qualquer cachorro. Só de olhar pra ele dava medo. Além de feroz era muito violento, aponto de chegar a matar o adversário quando brigava. Não havia um cachorro no bairro que era páreo para ele. Seu latido parecia mais como um rugido de leão.

Numa bela tarde quando a garotada estava toda reunida no campinho onde se jogava bola, não se sabe como, mas Mimoso fugiu do quintal da casa dos seus donos. O primeiro que viu gritou: É Mimoso! É Mimoso! É Mimoso! Daí só restou uma coisa a fazer. Parar de jogar e... Pernas pra que te quero. Nunca corri tanto como corri naquele dia. Ocorre que esqueci que tinha meu irmão mais novo na jogada. Dizem que o medo faz a gente deixar qualquer tesouro pra traz. No meu caso deixei literalmente um grande tesouro. No desespero, o único tesouro que eu queria era um lugar para me esconder. Neste caso fica fácil entender as palavras do grande Mestre: “Onde estiver o teu tesouro, aí também estará e teu coração”.

Só que o sangue que corria nas minhas veias gritou pelo sangue que ficou pra traz. E assim foi que o amor lançou fora todo o medo. Não pensei duas vezes; voltei! Infelizmente não deu tempo de impedir o sofrimento, mas deu tempo de demonstrar o Amor. Voltamos juntos para o esconderijo, nossa casa. Ele, ferido no corpo; eu, ferido na alma. Mas graças a Deus que Mimoso passou e eu continuei com meu irmão, jogando bola e gritando “Gool”.