Talvez quando filhote sim,
mas depois que cresceu, de mimoso não tinha nada. Bem verdade é que o Mimoso
que sempre me veio à mente foi o que conheci em uma brincadeira de São João
durante as festas juninas. Esta brincadeira é muito valorizada em minha terra,
o Maranhão, e é conhecida como Bumba-meu-boi. Tudo ocorre em volta do boi, que
na verdade é a principal figura da festa, e consiste numa armação de madeira em
formato de touro, coberta de veludo bordado. Em uma destas festas, o boi tinha
o nome de Mimoso. Dizem que aquilo que se vê pela primeira vez é difícil de
esquecer. Então eis aqui eu, falando de Mimoso.
Mas o Mimoso desta
história é outro. Era o cachorro mais valente do bairro. É interessante, mas no
processo da vida o próprio tempo se encarrega de fazer suas intervenções. No
geral tudo que nasce, nasce delicado, agradável e mimoso. Só que com o tempo e
com as transformações a beleza inicial se esvai. E assim o que era delicado
fica só na lembrança. Imagino que seus donos só o nomearam de Mimoso porque era
um filhote muito formoso. Só que ao crescer, aquele cachorro manifestou
características semelhantes às de um touro brabo: Todo preto com pêlo liso e
brilhoso, porte físico bem dividido e valentia acima do comum em qualquer
cachorro. Só de olhar pra ele dava medo. Além de feroz era muito violento,
aponto de chegar a matar o adversário quando brigava. Não havia um cachorro no
bairro que era páreo para ele. Seu latido parecia mais como um rugido de leão.
Numa bela tarde quando a
garotada estava toda reunida no campinho onde se jogava bola, não se sabe como,
mas Mimoso fugiu do quintal da casa dos seus donos. O primeiro que viu gritou:
É Mimoso! É Mimoso! É Mimoso! Daí só restou uma coisa a fazer. Parar de jogar
e... Pernas pra que te quero. Nunca corri tanto como corri naquele dia. Ocorre
que esqueci que tinha meu irmão mais novo na jogada. Dizem que o medo faz a
gente deixar qualquer tesouro pra traz. No meu caso deixei literalmente um
grande tesouro. No desespero, o único tesouro que eu queria era um lugar para
me esconder. Neste caso fica fácil entender as palavras do grande Mestre: “Onde estiver o teu tesouro, aí também
estará e teu coração”.
Só que o sangue que corria
nas minhas veias gritou pelo sangue que ficou pra traz. E assim foi que o amor
lançou fora todo o medo. Não pensei duas vezes; voltei! Infelizmente não deu
tempo de impedir o sofrimento, mas deu tempo de demonstrar o Amor. Voltamos
juntos para o esconderijo, nossa casa. Ele, ferido no corpo; eu, ferido na
alma. Mas graças a Deus que Mimoso passou e eu continuei com meu irmão, jogando
bola e gritando “Gool”.