segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O outro lado


Depois de ler uma postagem muito comentada no Facebook, sobre um tema bastante polêmico, minha mente foi aguçada a pensar sobre “o olhar só para um lado”. Na verdade somos tendenciosos, por natureza, a olhar só para o lado que nos interessa, nos favorece e nos atrai. Excluindo os perspicazes, nos satisfazemos rapidamente com o que há no lado da frente por ignorarmos o que há no lado de traz ou no outro lado. Quando adolescente, tive uma experiência inusitada, para nunca mais ignorar o outro lado. Ao atravessar uma avenida de mão dupla, olhei somente para o lado correto do trânsito, e para minha surpresa fui atropelado por uma bicicleta que vinha na contramão da avenida. Que dor! Isto me marcou tanto, que desde cedo ensinei meus filhos a olharem sempre para os dois lados ao atravessar uma rua.  

Embora na maioria das vezes esquecido, o outro lado é tão real quanto o lado que se vê. No geral, o outro lado é uma incógnita, um segredo e um desafio. Porque além de desconhecido é também o lado que exige pisarmos em terras que os nossos pés nem sempre querem pisar. O mundo está cheio de outros lados: O outro lado do continente; o outro lado da moeda; o outro lado da sociedade; o outro lado da linha; o outro lado do muro; o outro lado do outro, etc.

Infelizmente a geração de hoje, na sua maioria, prefere conhecer o “outro lado” à distância. Usa-se o lado da frente como mero espelho para visualizar o que há no outro lado, no entanto, qualquer envolvimento real com este lado é ignorado. Exemplo maior disso são as redes sociais, cujo objetivo maior é alimentar as relações virtuais. Uma geração que trata com quem está do outro lado só no nível da impessoalidade, ou seja, muitos amigos, conselheiros, amantes, e até inimigos, mas todos distantes. Ao mesmo tempo em que se está ligado a muitos, mas na verdade não se tem ligação real com ninguém. A ausência de comunhão, que enaltece a relação pessoal, é marca registrada desta geração.     

Dentro desta realidade, penso que é de fundamental importância rever nossa relação com os nossos semelhantes, porém com a premissa de um olhar mais profundo e mais humano.  Com o olhar natural, que é a capacidade física de ver o que é aparente, somos atraídos para o lado que fascina nossa visão e aquece nossos desejos e paixões. Já com o olhar do coração não é assim, porque este olhar faz a gente sentir antes de vê, silenciar antes de falar, amar antes de julgar, aprofundar antes de fazer conclusões. O coração olha primeiro o que não está visível, para só depois olhar o que estar aparente. Quem não tem coração pra ver, é como aquele observador da lua que fica o tempo todo a admirá-la, no entanto ignora a importância que ela tem para a terra.

De todos os outros lados, existe um que só a gente conhece; o outro lado da gente mesmo. Esse é o íntimo nosso, onde guardamos segredos, sonhos e imaginações. Nele, ninguém consegue entrar além de nós mesmo e Aquele que nos criou. Normalmente é nele que se escondem nossas feiuras e belezas, porque nele reside quem realmente somos. É o lado que Clarice Lispector disse que chamava por ela: “O outro lado de mim me chama. Os passos que eu ouço são meus”. O sábio Salomão preferiu chamar de “íntimo do ser” (Pv.20:27). Já o apóstolo Paulo chamava o outro lado humano de “homem interior” (Ro.7:22).

Entendo que Jesus vê o outro lado de uma pessoa como o lado que não pode ficar imune à dor que o lado visível sente. Fazendo uma avaliação simbólica do texto, fora do contexto, o lado da face que foi batido é o lado da dor da carne, que é a dor comum; mas o outro lado da mesma face é o lado que é oferecido para ser colocado no lugar do outro e sentir sua dor (Mt.5:39). A gente só pode se colocar no lugar do outro quando aprendermos a olhar com o coração e com a alma. Creio que na cruz, Jesus olhou o outro lado da humanidade com o coração, por isso disse: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lc.23:34).